A versão do outro


Em ocasião da disciplina Textos Fundadores da Literatura Portuguesa, ministrada pela Profa. Priscila Campello, foi estudado o curioso conto “A versão de Marta”, de João de Melo. Fisgada pelas possibilidades que “A versão de Marta” apresenta, a aluna Maria Márcia Menechinni decidiu dar voz ao parceiro da protagonista do conto de João de Melo, dando àquele a oportunidade de narrar os seus percalços. “A versão do outro” é, portanto, uma resposta ao texto "A Versão de Marta". Esse pode ser encontrado no livro Doze Escritores Portugueses Contemporâneos, organizado por Álvaro Guerra et al. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1997. p.53-65. Muito legal, Menechinni!



O escritor português João de Melo



A versão do outro


Maria Márcia Menechinni Ribeiro


Querida,


lamento o sacrifício e transtorno que tenho lhe causado durante esses anos todos, lembro-me bem dos bons momentos que tivemos juntos. Você sempre apreciava os meus rabiscos, dizendo que eles seriam a alma dos meus negócios. Assim que nos casamos, preocupava-se em cuidar para que eu não me desviasse do meu papel de escritor nem por um minuto. Sempre tratava de manter o silêncio da casa para que eu me debruçasse sobre as folhas brancas de papéis, quando ainda me faltavam inspirações. Seus cuidados, que às vezes me sufocavam, também levavam a acreditar que as palavras que saíam de sua boca profetizavam o nosso futuro. Éramos muito carinhosos um com o outro, principalmente à chegada do primeiro filho. Por mais que você estivesse tomada pelos afazeres de casa e da maternidade recente, não me deixava descuidar nem por um minuto de minha “literaturazinha”, sempre a me lembrar que nunca podia perder tempo. À chegada do nosso segundo filho, eu desejava estar mais presente, mas a vida de escritor não me permitia. Você deveria entender que para ter um bom desempenho intelectual me eram exigidos sacrifícios na vida social. A compensação com o ritual do ato de escrever me possibilitou o crescimento, o reconhecimento do meu trabalho e a fama. Neste momento deu-se o começo dos seus descontentamentos; mesmo sabendo que isso poderia comprometer a relação familiar, as manifestações de desafeto eram constantes... Sentia-me compromissado com os deveres do ofício, por muitas vezes perdendo a noção da realidade, sendo que os incômodos que isso me causava eram devolvidos com meus berros às crianças. Já não havia mais o seu apoio como antes, pelo menos eu não mais o percebia. O meu sucesso como escritor lhe trouxe transtornos, as cartas recebidas, o assédio dos leitores, o insucesso de sua profissão e as minhas viagens, com as quais você nunca concordou. Tudo isso lhe soava como fatos inoportunos. Sempre procurei entender sua ira ou motivos que te levaram a me classificar como um homem sem amor e compaixão. Não... Não entendia a frieza com que me olhava, a relação entre eu, você e as crianças distorcia tudo aquilo que pertencia a uma concepção de família. Pensei que fosse um simples ciúme ou um pouco de orgulho próprio por não conseguir acompanhar a minha posição de homem público. Recordo-me da primeira viagem que fiz: por mais que torcesse pelo meu sucesso, você se recusou a me acompanhar, deixando-me partir sozinho porque as crianças eram pequenas demais para viajar. Sabia da sua dificuldade em lidar com os meninos e que esses sentiriam muito minha falta. Mas como escritor, agora tenho compromissos não só com a família, mas com a ascensão social e também com meus leitores. Tudo isso foi se complicando. Viagens, leitores, fama, família e sucesso... Sei que tudo isso teve um preço, me empenhei demais em nosso sonho... Como retribuição, recebi simplesmente sua incompreensão.





E você? Já nos encaminhou o seu texto? Ainda não? Está esperando o quê. Envie para a gente (priscilaccampello@yahoo.com.br) ! Ele será devidamente revisado e, se publicado, será válido como Atividade Complementar de Graduação (ACG), sem falar que todo mundo vai saber do seu talento. Participe!



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